1. |
Dobrar
04:01
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Eu queria dobrar o tempo como quem afunila com ar um naco de pedra.
E marcar nosso tempo antes que a cera, por fogo, derreta.
Eu não queria ter divisão, nem ter de pensar em doar parte do meu tempo.
Feito o horizonte, ser vislumbre do eterno. E poder dividi-lo com vocês.
Eu penso em marcar um tempo capenga, que titubeia.
Tempo imaginado de alguém que parece sempre perder a palavra.
Tempo feito de antônimos.
Um rascunho que seja em folhas de almaço.
Invento um capítulo, sorteio um parágrafo.
Queria inventar esse pedaço de significado que falta quando o vento buliça com os olhos.
E eles lacrimejam.
Talvez venha me cansando de me inventar assim triste, chantagista, daqueles que, tímidos,
sempre pedem olhares, sempre pedem exclusividade.
Ou talvez a eloquência dos gestos, as vozes que se desencontram sejam somente
Ruídos em um show barulhento.
E se percam em sussurros bêbados de meia noite.
Busco um rascunho de um tempo.
Mas não sei até que ponto a ficção pode me sustentar.
Queria saber-me meu, com desencontros que só se resolveriam com a espera.
Não nasci pra ser gauche, nem tenho saudades de trens que anunciam o moderno.
Não tenho roupa encharcada de pó, nem me enchi de chão.
Tenho sim um pedaço de tempo que já vem sendo debulhado por caminhos que desconheço.
Confesso: sou afeito a melancolias. Mas não sou nostálgico.
Respeito bastante minhas olheiras.
Sinto que sou por demais do meu tempo. Desse tempo nosso,
contemporâneo.
E é isso que eu quero: partilhar nosso tempo, embora o nosso tempo seja feito
de silêncios a anônimos.
Por isso me escrevo silencioso, sem grandiosos. Utopias, eu as guardo em um lugarzinho
em que eu posso atacá-las quando eu quero.
E eu as ataco, pois não me parece ser tempo delas.
Caminho sobre suas histórias, sorrio delas, com elas.
Mas me resguardo de sua sedução.
Escrevo pouco e sem vontade. E não sou grande leitor.
Mas escrevo Coletivo.
Sonho dobrar uma página dessas vozes todas. Todas minhas.
Sonho dobrar essas vidas de vozes que choram.
Escrever no tempo dessa dobra uma ficção de mim mesmo.
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2. |
Afinal,
04:15
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As ruas andam frias, de uma lucidez irrecuperável
Há um rato vivendo como vivem os ratos
Na rua. Mas ainda é dia sem sol
Ao longe.
Eu peço um café em uma rua de Belo Horizonte
como fazem aqueles
como eu esperam pelos seus encontros.
Há uma lucidez irrecuperável nessa cidade
E eu cheguei há 30 minutos, como fazem aqueles
Como eu. Afinal.
Ao longe,
penso em dizer sim.
Viver, afinal, na avenida pra não me perder nas esquinas
Já disse que meu tempo, eu vivo num tempo
rabiscado. Pago aluguel e me adianto.
Me confundo com seus olhos de alguém que desconheço.
Caminhas pela cidade, certa
Ao longe.
Vais pra longe da fumaça do meu café
Meus olhos já te perderam, sem nos
vermos conhecermos.
Sem cheiro e sem suor.
Clara anda a cidade.
A vida anda tão lúcida. E cabe no lugar.
Não cai, nem
se culpa.
O café queima, combina com o cigarro
E meu suor da cidade lúcida.
A cidade anda tão lúcida.
Fria
Fria que está, segue com outro café.
Eu peço outro café, mas não nos confundimos.
Lembranças escrevo, vinganças de medo.
E onde há de estar meu amor
meu costume tão dolorido
Escrevo lembranças num espelho que lembra amor
Lembra subir a cidade lutar viver
Mas as ruas andam tão lúcidas
A cidade anda fria e lúcida
Irrecuperável.
E é época de ter um livro.
Sim, já é noite.
A noite sangra feito um rato na rua.
E mostra que as coisas continuam existindo.
Na cidade cheia de morros.
Lembra que nada disso vive em mim.
Porque sonho, eu sonho
E viver seria só reescrever as canções
Nos bares e na minha cama.
Não entendo dessa lucidez
Penso em poder te ver. Sem terminar jamais.
No terceiro café. Sei que não estás.
Não me olhas, nem dizes meu nome.
Você morreu. Eu penso no seu calor.
Seu suor, seu café fraco
feito meu peito.
Penso em você. Nos amamos como
a melhor ficção. Descobrimos a despedida.
Me humilhei pela vida que
sonhei. Me humilhei pra viver nossa paixão
errada
Me humilhei.
Sentado na esquina.
Fomos novos, amantes.
Mas você não está. E eu me lamento
de escrever em espelhos.
Me humilho, por tanta vingança
por ser patético.
Porque você não existe em mim.
Meu amor.
Você morreu sem que eu entendesse
Você morreu sem que eu entendesse de morrer.
Você se foi feito um livro emprestado que se perde.
Porque você não existe em mim.
Porque você não existe em mim.
Porque você não existe em mim.
Porque você não existe em mim.
Porque você não existe em mim.
Meu amor. Sem você. Fria.
Ao longe. De noite, em noite
Noite por noite, por lágrima e ressaca.
Até de manhã e a dor não vai.
Por que amar não existe em mim
E ainda te amo. Torto e errado.
Meu amor.
Há razões pra todos que escutam.
Que vivem, afinal.
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